quarta-feira, 27 de julho de 2016

Em Anchieta, um exemplo de amor aos animais abandonados


O caminho até lá não é muito difícil pra quem vai de carro. Após romper as inúmeras obras da Avenida Brasil, pega-se a direção para Irajá e seguimos em frente. Passamos pelos bairros de Ricardo de Albuquerque, Anchieta e finalmente chegamos à Avenida Nazaré. Seus números de casas são como os daquelas ruas antigas, muitos deles trocados, o que faz a chegada no local correto um pouco difícil. Uma parada para perguntas e todos, de alguma forma, já sabem para onde vamos. "Ah, a moça que cuida de animais, né? Dê meia volta e logo depois da passarela é a casa dela!". Mais um pouco e ,chegamos ao Santuário dos Fofinhos, ou melhor, à casa de Renata Brito, uma carioca da Barra da Tijuca que vive e cuida praticamente sozinha de mais de 200 animais na periferia do Rio.

Professora de inglês, Renata trocou a vida de classe média alta para, em Anchieta, fazer seu próprio abrigo de cães e gatos. No princípio, chegou a trabalhar em algumas instituições de amparo aos animais abandonados. Porém, incomodada pela falta de dedicação de alguns funcionários, resolveu que ela mesma iria ter seu próprio abrigo. Escolheu um território crítico, com altos níveis de violência e abandono de animais, mas que poderia comprar uma casa, e resolveu se estabelecer ali mesmo. Em Anchieta, Renata encontraria não só um local para abrigar seus cães, mas também um sem-número de situações de maus tratos pelas quais ela jamais esperava enfrentar.

A medida que o abrigo ia ficando conhecido, a população de animais no abrigo ia aumentando. Toda semana pessoas abandonam animais na porta do Santuário dos Fofinhos - o nome que ela deu ao local -,  e vão embora, para que Renata os recolha e dê sua atenção, que pode ser o tratamento de uma doença até o encaminhamento para adoção. Em oito anos de abrigo numa região violenta, Renata já presenciou várias situações dramáticas. Um dia, alertada pela campainha, ela desceu as escadas até a rua e deparou com uma sacola fechada de supermercado. Renata se aproximou, ouviu um barulho e descobriu, dentro do saco, dois cachorros. Um deles não resistiu e morreu asfixiado. O outro estava com um dos glóbulos oculares para fora, em estado deplorável. "Graças a deus ele ainda estava vivo. Recolhemos, passou por uma operação e agora, apesar de cego de um olho, está melhor", ela diz. .

Quantidade de animais, espaço e localização. Estes são os três principais problemas do Santuário dos Fofinhos que Renata descreve em sua página no Facebook. A quantidade de animais vem aumentando a cada dia, até chegar num ponto crítico do qual, sem as ajudas das pessoas - que depositam quantias em contas bancárias ligadas ao abrigo ou comparecem pessoalmente nos fins de semana para deixar jornais, bacias, comida etc para os animais - não seria possível manter o local. São inúmeros cães que chegam ali doentes ou traumatizados após sucessivas histórias de humilhação e maus tratos. Gente que, segundo Renata, abandona bichos pelos motivos mais inusitados. Um exemplo é o razoável número de cães pretos ali presentes, vítimas, assim como os gatos, de superstição ou simplesmente racismo.

O segundo problema, a questão do espaço, diz respeito à casa onde reside Renata, sua filha pequena e mais de 200 animais. Auxiliada apenas por uma funcionária que a ajuda na casa e com os animais, é possível encontrar uma infinidade de cães, numa insólita organização elaborada por Renata. Há o quarto dos mais doentes, o espaço dos mais traumatizados e, por isso, mais agressivos, o quarto daqueles que sofreram violências diversas. Dentro de casa, alguns gatos convivem em harmonia com a cachorrada - ou melhor, apenas alguns, pois eles sabem que nem todos os cachorros do abrigo os respeitam. Tudo é bastante improvisado e mantido com a ajuda dos colaboradores. Do alto de uma escada, avisto uma fêmea de pitbull, abandonada e segundo Renata já idosa para uma cachorra, se aproximando de mim. Seu olhar é mais de tristeza do que de imponência por ser de uma das raças mais temidas no imaginário popular. Faço-lhe um carinho e ela, agradecida, fica alguns minutos sem desgrudar de mim. Compreendo que carinho de seus antigos donos quase nenhum ali recebera antes.

Já o terceiro problema tem sido um dos piores. O localização do abrigo, em Anchieta, um bairro pobre da periferia carioca, já era violenta quando Renata se instalou ali. Nos últimos meses, refletindo a sensação de insegurança que cobre todo o estado do Rio, piorou bastante, deixando a segurança do local em risco. São tiroteios frequentes, arrastões, falsas blitzes e outros problemas relacionados à segurança que inibem a ida até lá de pessoas que gostariam de ajudar. Por este motivo Renata pensa em vender a casa e conseguir um novo local para seus mais de 200 cachorros e gatos. Não é tarefa fácil, mas persistência é algo que Renata mantém consigo.

No momento, a contar com seus únicos gastos, o abrigo só teria condições de funcionar por 15 dias. No entanto, o abrigo, em situação crítica, resiste.  O que o tem ajudado a chegar ao resto do mês com ração, remédios e outras formas de ajuda são as contribuições de pessoas que ajudam periodicamente. Nos últimos meses, pessoas do grupo SOS Rejeitados, que encaminha cães e gatos para feiras de doações em todo o estado, tem auxiliado Renata a evitar uma superpopulação de bichos em sua casa. Além de outros que descobrem seu trabalho através das redes sociais e tornam-se colaboradores. É desta forma, com muita persistência  dedicação e amor aos animais que Renata Brito vem mantendo seu abrigo e dando a inúmeros animais animais abandonados, torturados ou humilhados uma segunda chance de sobreviverem e terem uma vida melhor.        






      


Nenhum comentário: