quarta-feira, 8 de abril de 2009

A escola vai ao cinema

O filme francês "Entre os muros da escola", ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes e ainda em cartaz em algumas cidades do Brasil, é ótima oportunidade para uma reflexão sobre filmes que expuseram ao público um pouco do dia-a-dia de uma escola. Desde o clássico "Zero em comportamento", de Jean Vigo, cineastas de todo o mundo buscaram nos ambientes escolares a matéria-prima necessária para suas inquietações artísticas. Por hora, queria lembrar de três filmes, de cinemas e culturas diversas, que trataram deste universo: o inglês "Ao mestre, com carinho", o brasileiro "Pro dia nascer feliz" e o já citado francês "Entre os muros da escola".

Filmado em 1967, "Ao mestre com carinho" ("To Sir, with Love") talvez seja o mais popular entre os filmes a abordar a relação entre mestres e alunos. Lembro-me de tê-lo visto há muitos anos, ainda adolescente, numa "Sessão da Tarde" da Globo. O roteiro conta a história do engenheiro Mark Thackeray, que aceita lecionar em um colégio do subúrbio londrino, enquanto não surge um emprego em sua área. A escola onde irá dar aulas fica numa região pobre, com tensões racistas e para onde alunos problemáticos são mandados. O professor, que é negro (vivido por Sidney Poitier) terá que enfrentar estas situações e ensinar os alunos - que a princípio o veem com desconfiança -a necesssidade do respeito e dignidade entre as pessoas.

A tarefa não é fácil, mas aos poucos o professor consegue conquistar os alunos antes hostis, surpreendendo outros professores do mesmo colégio, que se resignavam com a brutalidade entre os mais rebeldes. Mark vai conhecendo também a vida pessoal de alguns deles, e há até espaço para um flerte entre o professor e uma aluna. Um sequência inesquecível é a hora em que Poitier leva a turma para conhecer um museu num daqueles ônibus londrinos de dois andares. As cenas no interior do estabelecimento são mostradas em forma de fotos, como numa sequência de slides, com os alunos aprendendo e se divertindo. Ao fundo, a música-título do filme, "To sir, with love", de grande sucesso à época, cantada por Lulu, que também atua no filme como uma das alunas de Poitier.




"Ao mestre, com carinho" é um filme deliciosamente datado e típico dos anos 1960, no qual as rebeliões juvenis que correram o mundo e mudaram os costumes de toda uma geração são transplantadas para a sala de aula. A ação é quase toda passada em Londres, um dos epicentros das rebeliões juvenis - os meninos fumam e ouvem rock, enquanto as meninas usam a minissaia inventada poucos anos antes por Mary Quant. No fundo, o filme apresenta um verniz conservador, pois mostra um grupo de alunos "selvagens e desajustados" sendo domados por alguém mais velho, que surge na figura de um professor, marcado pela grande interpretação de Sidney Poitier.

Enquanto "Ao mestre, com carinho" é cinema clássico-narrativo em sua melhor forma, o brasileiro "Pro dia nascer feliz" (2006), de João Jardim - diretor de "Jornada da Alma" -, rompe com a ficção para levar ao público um documentário sobre o panorama estudantil brasileiro em três cidades: Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. O filme conquistou nove prêmios, entre eles o de melhor documentário na Mostra de Cinema de São Paulo (Jurí oficial e popular). No site oficial temos a definição do filme feita pelo diretor, como um "diário de observação da vida do adolescente no Brasil em seis escolas". Entre elas, temos a escola da cidade de Manari, em Pernambuco, um dos municípios mais pobres do Brasil; outra, de nível médio em Duque de Caxias, no Rio; além de duas escolas de diferentes perfis em São Paulo, a primeira, particular, de classe média alta no bairro de Alto de Pinheiros, e a segunda, pública, em condições precárias na região de Itaquaquecetuba.

A intenção do filme é mostrar um retrato da juventude brasileira através de sua relação com o ambiente escolar. Há depoimentos de diversos professores e alunos, cenas feitas dentro e fora das salas de aula, onde os "personagens" entrevistados refletem suas angústias sobre o dia-a-dia, que várias vezes extrapola o ambiente estudantil e reflete a situação sócio-econômica brasileira - visível nos contastes entre a rica escola particular de Alto de Pinheiros, em São Paulo, e o colégio público de Duque de Caxias, onde quase todo dia alunos voltam pra casa porque um ou mais professores faltaram. Não por acaso, talvez a cena mais comentada na época de sua exibição nos cinemas tenha sido o caso da menina de uma escola pública que esfaqueou até uma ex-amiga até a morte, dentro do corredor escolar, depois de ter sido barrada na sua festinha de aniversário. O depoimento, em off, da assassina confessa, impressiona por ela não demonstrar nenhum arrependimento e ainda dizer que não ficaria na cadeia muito tempo, por que era menor, e, "no Brasil, de menor não pega nada - três anos passam rápido". (No Brasil, três anos é o tempo máximo que alguém com menos de 18anos fica preso, qualquer que tenha sido seu crime.)

Apesar deste viés desesperançado que muitas vezes o filme nos mostra, o tom é otimista (a começar pelo título, inspirado na canção de Cazuza) e se reflete na bela cena final, com a inteligentíssima aluna pernambucana (a ponto de, segundo ela, alguns dos professores duvidarem da autoria de suas redações), do cenário mais pobre retratado pelo documentário, recitando uma bela poesia feita por ela num exercício de intertextualidade, inspirada na clássica "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias.




Se "Ao mestre com carinho" é cinema clássico hollywoodiano, com um tom escapista, e "Pro dia nascer feliz" é seu oposto, um documentário franco e direto sobre a educação brasileira, que busca o olhar crítico do espectador, o filme francês "Entre os muros da escola" (2007), do diretor Laurent Cantet, pode ser situado num meio termo entre a ficção e o documentário. Esta, talvez, tenha sido a característica que levou o filme a ganhar a tão disputada Palma de Ouro - misturar os estilos, romper com o que é ficção e o que é documentário, desvendando o interior de uma escola na periferia de Paris.

O filme é baseado no livro de François Begaudeáu, ex-cantor de uma banda punk, ex-professor, hoje escritor. Begaudeáu faz ele mesmo o papel do professor que leciona para uma problemática turma de nível médio. O diretor também convocou, para os aliunos do professor, diversos jovens sem nenhuma experiência dramática, mas que viveram papéis proximos àqueles que desenvolvem na vida real. Fica claro como a onda dos programas televisivos em estilo reality, com pessoas comuns protagonizando dramas diversos, que vão desde a uma troca de famílias à busca de um prêmio de um milhão de dólares, influenciou também o cinema. O espectador, portanto, não deve esperar um cinema narrativo clássico para assistir e "digerir" o filme francês.






Frequentada por uma França dividida entre diversas culturas - depois dos franceses, há ali alunos de vários países do continente africano, além de árabes, japoneses etc - a escola retratada no filme (e a turma para a qual o professor dá aulas) são o retrato de uma França multifacetada. Para nós, brasileiros, acostumados com nosso eterno complexo de vira-latas, é de se espantar ver ali retratada uma realidade tão parecida (em termos de dificuldades do ensino) como a nossa. Não sei se Cantet viu o filme de João Jardim, mas há entre os dois filmes traços que os unem de forma peculiar. No filme de Jardim, alguém da equipe pergunta (fora de cena) para um aluno o que ele havia aprendido durante o ano. "Nada", é a resposta. Em "Entre os muros da escola", o professor faz a mesma pergunta a uma de suas alunas no último dia de aula do ano, e recebe a mesma resposta. Enquanto no filme brasileiro há a informação de que "não foram permitidas filmagens dos conselhos de classe", o filme francês chega a mostrar uma longa sequência - importantíssima pra a trama - em que um conselho de professores discute a educação dos alunos. E há em ambos os filmes, já no final, a cena da sala de aula vazia, sem alunos e sem professor.

Há também contrastes interessantes entre os três filmes. Se, em "Ao mestre, com carinho", temos a presença de um ator famoso como Sidney Poitier e a trilha sonora pop e envolvente, no filme francês, como vimos, não há astros e a trilha resume-se aos ruídos do ambiente estudantil. E o documentário brasileiro ainda acompanha os passos pós-escolares de alguns dos alunos entrevistados. Em comum, são filmes que procuram no ambiente escolar o cenário ideal para demonstrar as angústias e inquietações dessa fase da vida tão atribulada que é a juventude.

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