Outro dia eu estava lendo uma crônica do ex-jogador Tostão, intitulada "Nova estrela global". Ela se encerrava deste modo:
"Quando terminou o jogo, Ronaldo não quis falar no gramado. Mas foi só aparecer o repórter da Globo para ele dar entrevista, fora as inúmeras exclusivas que tem concedido à emissora. É a nova estrela global. Muitos jogadores e treinadores famosos fazem o mesmo. Em uma Copa do Mundo, essa preferência atinge níveis absurdos. Esse comportamento dos atletas e treinadores é um desrespeito com outros jornalistas."
Faz dois meses que Ronaldo estreou no Corinthians, após sua contratação no final do ano passado. Fato que pode ser considerado uma espetacular jogada de marketing do time paulista - apenas no dia da apresentação do jogador à torcida, o estoque de camisas com seu nome esgotou e o evento foi manchete em praticamente todos os noticiários nacionais (e alguns internacionais).
Mas, a partir de então, um órgão de comunicação conseguiu muito mais acesso ao craque do que todos os outros - a Rede Globo.
Às vésperas de sua estreia em campo, o jogador esteve presente em vários programas da emissora carioca. Era Ronaldo sendo entrevistado ao vivo no Jornal Nacional (com direito a sentar na bancada, ao lado dos apresentadores Bonner e Fátima), Ronaldo no Globo Esporte. Ronaldo no Esporte Espetacular, Ronaldo no Altas Horas, Ronaldo no Faustão e por aí vai...
E Ronaldo não desagradou à emissora. O trecho que citei do Tostão refere-se à estreia do jogador em campo, contra o Itumbiara, na qual fez um dos gols da vitória do Corinthians. Após o apito final, o "fenômeno" (da mídia?) foi cercado por repórteres e até chegou a se machucar com um dos microfones, tamanho o assédio. Disse que não ia dar entrevista, mas foi só o tempo de chegar o repórter Mauro Naves, da Globo, que a coisa toda mudou. Naves foi mais um global a conseguir entrevistá-lo, fato que irritou bastante as outras emissoras. Ressalte-se que, enquanto pedidos de entrevista e participação em programas de outras emissoras eram sistematicamente negados, o jogador cedia "exclusivas" até para a Globonews.
Tudo bem que a Globo possui uma esmagadora liderança na audiência televisiva. Seu poderio fascina jogadores, técnicos e dirigentes, que preferem dar preferência à emissora quando vão dar entrevistas. Alguns chegam até a participar de chamadas para programas da emissora, junto com os jornalistas de plantão - inconscientemente, atuam como garotos-propaganda da programação global. Não há nada de errado em a Globo buscar o furo, a notícia exclusiva, em entrevistar mais e mais nossos principais atletas. E não é novidade o fato de a emissora ter cacife suficiente para transmitir com exclusividade eventos esportivos como os campeonatos estaduais e a Fórmula 1. Mas é questionável que atletas-celebridades como Ronaldo priorizem apenas a emissora de maior audiência e evitem - ou mesmo ignorem - os pedidos de entrevistas de outras emissoras, jornais e rádios.
No entanto, o fenômeno (!) não acontece apenas na seara do esporte. Em outras esferas, como a política, a econômica e até de assuntos gerais, há infelizmente grupos que privilegiam a Globo ao dar entrevistas.
Um exemplo claro foi o show midiático representado pela prisão de Celso Pitta e Daniel Dantas, no ano passado. A equipe da Globo chegou a filmar o ex-prefeito de São Paulo abrindo a porta, ainda de pijama, para surpreendê-lo junto aos homens da polícia federal. O estranho foi que nestes casos e em outros não havia repórteres de outras emissoras - somente da Globo. Omissão? Inexperiência em correr atrás da notícia? Difícil. No mesmo dia da prisão de Dantas, William Bonner rechaçou no Jornal Nacional a acusação de que a polícia federal teria privilegiado a emissora nas filmagens e apuração daquele dia. A Globo, segundo ele, estaria fazendo o seu trabalho, ou seja, "a busca incessante da notícia relevante, com uma equipe altamente treinada e competente".
Ahã. O comentário leva a mais uma pergunta: e por acaso seriam as equipes jornalísticas das outras emissoras incompetentes? Sabemos que na Globo trabalham excelentes jornalistas, mas, de novo, haveria realmente um privilégio dado aos repórteres da emissora?
O tema é polêmico e não é novo. Aqui mesmo na internet há vários sites de jornalismo que já discutiram em parte o assunto. E também em outras mídias. Em seu programa de rádio na Band News, Ricardo Boechat já reclamou inúmeras vezes do privilégio (não há outra palavra) concedido aos repórteres globais. E Boechat pode falar com conhecimento de causa, pois ele trabalhou nos órgãos da emissora carioca por muitos anos.
Proponho um teste: escolha um dia ou dois para assistir em sequência na TV o Jornal da Band e o Jornal Nacional. Preste atenção nos fatos que foram levados ao ar nos dois telejornais. Depois, compare as reportagens: quem conseguiu as melhores fontes? Na maior parte das vezes, é a Globo. Acontece muito com tragédias envolvendo pessoas comuns. O caso de uma garota que foi atingida por uma bala perdida quando passava em frente a um banco que estava sendo assaltado e que ficara paraplégica recebeu cobertura de ambos os jornais. Na Band, fomos informados de que "a vítima não quis dar entrevista". Meia hora mais tarde, no Jornal Nacional, lá estava a mesma garota, cedendo uma "exclusiva" (palavrinha adorada por jornalistas) ao repórter da Globo.
Quando o fato atinge repercussão nacional - como foi o caso do menino João Hélio no Rio, arrastado pelas ruas preso ao cinto de segurança do carro de sua família roubado por bandidos - a "esclusiva" vira espetáculo, com direito à repórter-celebridade Fátima Bernardes entrevistando os pais do menino no Fantástico. Mais recentemente, tivemos também o pai e a madrasta de Isabela Nardoni - acusados de jogar a menina pela janela de um prédio em São Paulo - jurando inocência na TV. Em que canal? Ora, em mais uma reportagem "exclusiva" do Fantástico.
Casos como esses são sintomáticos num país em que um mega-conglomerado de informação como as Organizações Globo atinge a liderância absoluta na audiência do horário nobre. E que leva muitas pessoas (e até por vezes órgãos públicos) a dar prioridade aos repórteres da emissora. Se houvesse mais concorrência e menos monopólio de informação no Brasil, não haveria distorções como as que de fato ocorrem.
E não precisaríamos ouvir sempre a mesma ladainha de quem cedeu entrevistas exclusivas aos repórteres globais: "A Globo chegou primeiro".
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