segunda-feira, 4 de maio de 2009

O jornalista e seus pseudônimos - parte 1

"Por mais incrível que pareça o meu nome é Pelópidas. Meu nome de batismo é Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo. Segui a vida inteira carregando o nome de Pelópidas, no colégio, na faculdade...até que resolvi entrar para o teatro. E no teatro, "Pelópidas Gracindo" soava muito mal, ninguém realmente acertava o meu nome. Me chamavam de "Zé Lopes", de "Petrópolis" e, uma vez, uma empregada me chamou de "Envelope". Foi então que eu resolvi definitivamente tirar o Pelópidas e colocar um nome simples: Paulo"

O trecho acima faz parte do ótimo documentário em cartaz "Paulo Gracindo: o bem amado", sobre um dos maiores artistas brasileiros, cuja trajetória se confunde com a história da comunicação de massa no Brasil durante o século XX. Paulo Gracindo trabalhou nos anos 1940 na Rádio Nacional (a Rede Globo da época), atuou em grandes filmes, como "Terra em transe", e fez participações inesquecíveis em várias telenovelas. Será que se ele mantivesse o nome de batismo "Pelópidas" teria conquistado tanta fama entre os brasileiros? Isso me faz lembrar que, também entre os jornalistas, o uso de pseudônimos é uma prática recorrente, ainda que por motivos diversos.

Vamos lá. O que teriam em comum nomes como João do Rio, Artur da Távola e Stanislaw Ponte Preta? Bem, além do fato de que os três escreveram durante muitos anos na imprensa, Paulo Barreto, Paulo Alberto Monteiro de Barros e Sérgio Porto escolheram, em determinada fase de suas carreiras, escrever através de pseudônimos - e foi com os nomes escolhidos que eles se consagraram no jornalismo brasileiro. Muitos escolhem pseudônimos pela imponência do nome ("Artur da Távola" realmente chama bem mais atenção do que Paulo Alberto, não é mesmo?); outros por pura gaiatice ou desculpa para assumir uma personalidade humorística (no caso de Stanislaw). E também temos aqueles nomes que brotam na redação e o jornalista nem escolhe, como foi o caso de um jovem e talentoso cartunista mineiro chamado Henrique Filho, que ao dizer seu nome ao editor do jornal Estado de Minas, o escritor Roberto Drummond, ouviu: "Esse nome não dá!". Depois, Drummond apenas juntou as primeiras três letras do nome e sobrenome do jovem e inventou o pseudônimo daquele que seria um dos grandes gênios do desenho brasileiro: Henfil.

O Brasil tem uma longa tradição de uso de pseudônimos na imprensa. Vejamos; Em 1808, há o surgimento do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, de Hipólito da Costa, o qual, devido à censura, era editado em Londres e chegava ao Brasil clandestinamente. No mesmo ano, temos a instituição da Imprensa Régia e a fundação da Gazeta do Rio de Janeiro, jornal pró-monarquia, que obviamente só publicava o que interessava ao governo português. Nada se imprimia sem a censura prévia do governo, até a divulgação do Decreto Regencial de 1822, no ano da independência. A partir daí, a história brasileira verá o surgimento de uma série de jornais radicais e panfletários. Eram pregadores que escreviam dentro do estilo que predominou no jornalismo político da primeira metade do século XIX. Entre os donos destes panfletos (também chamados por mais de um pesquisador de "jornais incendiários") estavam políticos que usavam seus jornais como libelos para trocar acusações e desaforos com seus adversários. Foi a época dos “insultos impressos”, na definição da historiadora Isabel Lustosa.

Um exemplo. O que diriam da autoria deste desaforo: “O senhor há de ferver em pulgas!”; ou desta série de insultos, “Testa-de-ferro dos atrapalhadores da causa basílica, pedante, pedaço d’asno maroto, pé-de-chumbo, inchado, bazófio...”. Todos eles foram escritos por Dom Pedro I, através de pseudônimos para atacar figuras da oposição. O nível do discurso chegava aos insultos pessoais, "às vezes de uma virulência destruidora só possível em um momento de indefinição política", lembra Silvana Gontijo, no livro "O mundo em Comunicação: "a imprensa se fez independente antes do próprio país, mais por falta de regras para o jogo democrático do que pelo esforço, através da pressão cidadã, para conquistar instrumentos legais que garantissem a liberdade de imprensa”.

Já no século XX, uma classe de jornalistas iria abusar dos pseudônimos na imprensa: os colunistas sociais. Era quase uma norma dentro do estilo a escolha de um nome "literário", "importante", uma alcunha que chamasse a atenção logo de cara. Colunistas eram vistos por muitos de seus pares e leitores como senhores "afetados" e especialistas em frivolidades. O criador da moderna coluna social brasileira, em 1945, Manuel Bernardez Müller (apelidado Maneco Müller pelos coleguinhas) ao ser convidado para escrever uma coluna social no extinto Diário Carioca, teria ouvido esta proposta do editor:

- Você vai trabalhar como cronista social.
- Não quero. É coisa de viado.
- Só temos este cargo.

Após pensar um pouco, Maneco topou a empreitada, mas para se proteger da avacalhação geral, impôs uma condição: escreveria sob pseudônimo. O jornalista escolheu então um personagem de Eça de Queiróz - Jacinto de Thormes - para assinar a coluna. Foi um sucesso estrondoso. Mais do que escrever uma coluna social, Maneco criou um personagem. Enquanto o autor da coluna era um jovem que adorava futebol e boxe, cosmopolita e com amigos em todas as camadas sociais, Jacinto era petulante, blasé, esnobe e dono de uma ironia cortante. Num tempo em que não havia televisão, em que o termo "celebridade" nem era comum, Jacinto dava destaque às figuras da emergente burguesia que surgia com a industrialização levada a cabo pelo governo Vargas - uma classe que começava a deixar de lada os perfumes franceses pelas delícias de consumo made in USA, como Cadillacs, produtos de "matéria plástica" (grande novidade à época), o cinema de James Dean e Brando, o rock n' roll petulante de Elvis e Chuck Berry. Gostava de realçar o sobrenome dos colunáveis no texto ("Jorginho, que também é Guinle"), mas ao mesmo tempo provocava a burguesia ao eleger, por exemplo, o sambista Ataulfo Alves entre os "dez mais elegantes do ano". Ao lado da coluna, havia uma caricatura de um homem em trajes de pijama e fumando um cachimbo - os leitores achavam que se tratava do próprio Maneco. Possuía ainda um cachorro - personagem real de suas crônicas - chamado William Shakespeare Júnior - que de tão famoso virou capa de revista. Vale a pena uma visita ao site do jornalista Geneton Moraes Neto, que conseguiu entrevistar o lendário colunista.

Maneco não era um deslumbrado com os jantares e recepções que deveria cobrir (só aceitou a coluna por causa do salário): anunciava a festa que deveria ir e concluía com um "depois eu conto"...que nunca contava! Mas, ao mesmo tempo em que debochava das figuras do high-society carioca, encontrava tempo para frequentar o Senado e a Câmara dos Deputados (lembremos que o Rio da época ainda era a capital da República) e, aos poucos foi inserindo notinhas sobre política, economia e até esportes em sua coluna. Maneco criou um embrião das modernas colunas jornalísticas brasileiras, hoje entre os espaços nobres dos jornais diários. Ajudou a revolucionar a imprensa, mas nunca conseguiu se desvencilhar do pseudônimo que o acompanharia como uma sombra pela vida inteira.

O pseudônimo é capaz de se incorporar à figura do jornalista de tal forma que alguns lutam para se verem livre dele. O colunista Zózimo, titular da coluna Carlos Swann (personagem inspirado em Proust), do Globo, ao aceitar a oferta de assinar uma coluna no Jornal do Brasil com seu nome, ouviu de Roberto Marinho: "Mas meu filho, você está prestes a fazer uma grande tolice. Todo mundo sabe quem é Carlos Swann e ninguém sabe quem é Zózimo". Ao que o colunista respondeu: "Dr. Roberto, o senhor está me dando um ótimo argumento a meu favor: está na hora de as pessoas saberem quem é Zózimo Barrozo do Amaral".

Ironia dos pseudônimos. Enquanto o jovem Pelópidas trocava de nome para conhecer a fama, o jovem Zózimo apostava todas as suas fichas em seu nome de batismo para assinar uma coluna. Aliás, pensando bem, "Pelópidas Gracindo" é um nome que poderia funcionar muito bem assinando uma coluna social...

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