terça-feira, 26 de maio de 2009

Wilson Simonal - da glória ao ostracismo, a trajetória de um dos maiores cantores brasileiros

Em pleno começo dos anos 1970 no Brasil, a situação política não era nada boa. O AI-5 chegara em 1968 para instaurar a repressão e legitimar a tortura dentro dos porões do regime militar. Políticos progressistas eram cassados, artistas tropicalistas como Caetano e Gil expulsos do país e, das artes ao jornalismo, a censura mostrava suas garras. A máquina de propaganda do governo clamava solene: "Brasil, ame-o ou deixe-o" e havia toda uma polarização entre setores de esquerda e de direita. Quem se manifestasse neutro era logo tachado de "alienado", um verdadeiro xingamento para a época. Outra acusação à qual ninguém queria estar ligado era a de "dedo-duro" dos órgãos da repressão política. Pois foi justamente uma acusação dessas que caiu como uma bomba sobre os ombros de um dos maiores cantores brasileiros no começo daquela década.

Mesmo com toda a repressão, havia uma genuína alegria vinda de uma bela voz que entretinha os brasileiros pelo rádio, pela televisão e em estádios por toda a América Latina. Não à toa, "Alegria, alegria" (1, 2, 3 e 4) eram títulos de uma série de discos gravados pelo dono dessa voz. Quem cantava essas canções alegres e românticas era um jovem chamado Wilson Simonal. Simonal havia começado a cantar quando ainda servia o exército, nos bailes do 8º Grupo de Artilharia da Costa. Participou do programa de rádio "Os brotos comandam", de Carlos Imperial e trabalhava como crooner em boates de Copacabana quando foi levado pela dupla Miéle e Bôscoli para apresentar-se no Beco das Garrafas, antigo reduto da bossa nova. Daí para a ascenção meteórica foi um passo.

De repente, um lance em falso e Simonal viu toda sua carreira e um futuro promissor irem por água abaixo. Após descobrir um desfalque na sua produtora, o cantor acusou seu contador de tê-lo roubado e, em vez de simplesmente ir à polícia prestar queixa, contratou dois policiais para darem uma surra no funcionário. O problema era que os policiais eram do Dops, a delegacia de repressão política. Rapidamente se espalhou o boato de que Simonal seria um alcaguete do regime militar. O jornal O Pasquim acusou-o de dedo-duro. Começava ali o declínio do cantor.

Seus discos foram retirados de circulação, artistas e amigos começaram a evitá-lo, seus contratos musicais reduziram-se terrivelmente. Anos mais tarde, no final dos anos 80, já debilitado pelo alcoolismo, o cantor desabafou para a esposa: "Eu não existo na história da música brasileira!" A história da ascenção e queda deste grande ídolo popular está contada no filme em cartaz "Simonal: ninguém sabe o duro que dei", dirigido pelo casseta Cláudio Manoel e os cineastas Calvito Leal e Micael Langer.

Para quem se interessa por música brasileira e também pelo comportamento de grande parte da sociedade nos anos 1970, não dá pra perder o filme. Seu maior mérito está em reabilitar o talento de um grande cantor que estava praticamente esquecido. Com o lançamento, muito já se falou e está sendo discutido sobre a trajetória de Simonal. Após uma infância pobre, o cantor viu-se atirado à fama da noite para o dia e aproveitou ao máximo a onda de sucesso, ainda que fugaz. No auge do sucesso, o cantor negro colecionava namoradas louras e tinha três mercedes na garagem (o dono da Globo tinha um). Fazia um estilo por vezes abusado ("eu sempre fui mascarado", diz o cantor numa entrevista a um repórter de televisão no filme), o que incomodava muita gente. Tom Jobim dizia que no Brasil "o sucesso é ofensa pessoal". O cantor pagou por sua vaidade, mas nunca delatou ninguém, e no fim da vida conseguiu provar a verdade. Mas para quê, se ninguém lembrava mais dele - e mesmo aqueles que lembravam insistiam em ignorá-lo?

Por isso, eu queria mesmo era falar um pouco aqui de seu imenso talento como showman (ou entertainner, como os americanos gostam de dizer) brasileiro. Há dúvidas se Simonal foi realmente o maior cantor brasileiro, mas de uma coisa ninguém parece discordar: ninguém conseguia magnetizar de tal forma as plateias em shows como ele.



Dois momentos do filme me pareceram emblemáticos. No começo, quando Simonal, usando uma faixa na testa que mais parecia uma gravata amarrada, faz o Maracanãzinho em peso cantar "Meu limão meu limoeiro", em estado de delírio. A apresentação seguinte - e então atração principal - seria de Sérgio Mendes, que quase cancela sua entrada em cena devido ao sucesso estrondoso de Simonal. Corta para a apresentação do cantor levando a mesma música num auditório mais comportado - mas com a mesma animação do público. Entra em cena o depoimento de Chico Anysio, que diz ter encontrado com o artista calmamente tomando um cafezinho nos bastidores do show. Ao notar a reação espantada de Chico, Simonal teria dito, rindo: "Deixei a plateia cantando o limoeiro lá no auditório e dei um pulinho aqui dentro para um café!" Atitudes de quem comandava a massa como queria.

Ao final do filme, já nos tempos de ostracismo, somos levados ao depoimento dos filhos de Simonal, Max de Castro e Wilson Simoninha, ao revelarem que o artista, quando ia ao show dos filhos, ficava escondido atrás das pilastras para que ninguém notasse que o "ex-delator" estivera ali. Corta para a cena em que Simonal canta um dos seus grande sucessos, "País tropical", de Jorge Ben, para um público reduzidíssimo dentro de um local não identificado de uma cidade do interior. Me lembrou cena do filme "Letra e música", no qual o personagem vivido por Hugh Grant, um ex-componente de uma banda pop de sucesso nos anos 80 e agora no ostracismo, é obrigado a se apresentar em parques de diversões em subúrbios para se manter. Porém, a situação de Simonal era bem pior.

No livro "Chega de saudade", de Ruy Castro, o autor mostra que Simonal era um artista completo já no começo da carreira: "Quando o cantor surgiu no Beco da Garrafas, Simonal era o máximo para o seu tempo: grande voz, um senso de divisão igual ao dos melhores cantores americanos e uma capacidade de fazer gato e sapato do ritmo, sem se afastar da melodia ou apelar para os scats fáceis". Essa capacidade sublime de cantar fácil seduziu não só os brasileiros, mas também cantores americanos, como Sarah Vaughan.





Há alguns anos a TV Globo copiou o modelo de sucesso do American Idol e lançou o programa Fama, um reality-show no qual aspirantes ao estrelato eram submetidos a vários treinamentos e testes para obterem uma melhor performance no palco e conquistarem os jurados. Ao contrário de seu primo americano, até hoje um sucesso na televisão dos Estados Unidos, aqui o Fama não obteve o sucesso de audiência esperado, e só durou duas temporadas.

Talvez a razão do fracasso esteja no fato de que dom e talento são coisas que não se aprendem em casa nem programas de televisão. Simonal tinha talento para cantar e entreter de sobra. Muitas vezes a comunicação com o público dos candidatos no programa global era forçada. Já em Simonal essa interação era genuína (e não é qualquer um que podia se dar ao luxo de deixar o público cantando e sair sorrateiramente do palco para "tomar um cafezinho").

Nos palcos em que se apresentava, Simonal era cantor, ator, palhaço, humorista - um showman. No palco da vida real, foi liquidado por uma patrulha ideológica ávida em atacar o regime militar - e não teve final feliz.

Mas com o sucesso do filme - e para aqueles que nunca ouviram falar neste grande artista - em algum lugar o artista deve estar enfim, rindo, e comandando, lá em cima, um auditório de anjos ao som de "Meu limão meu limoeiro".

Mesmo que por vezes ele saia de fininho, pilantramente, para bater um papo com São Pedro...

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