segunda-feira, 18 de maio de 2009

De Vanderbilt a Moraes, pouca coisa mudou no trato com o público

Dois momentos históricos distintos. Duas opiniões dramaticamente semelhantes, sobre como poderosos costumam tratar a sociedade a qual deveriam prestar contas:

"O público que se dane!" - William Henry Vanderbilt, empresário americano, 1882.

"Estou me lixando para a opinião pública!" - Sérgio Moraes, deputado do PTB, 2009.

Sigamos com o contexto. O milionário norte-americano Vanderbilt proferiu a infeliz frase no final do século XIX, em meio à emergência de diversas lutas sindicais nos Estados Unidos. A América vivia a consolidação de seu capítalismo. O jornalismo deixava o processo artesanal para abraçar a penny press (imprensa barata) e atingir o grande público. O desenvolvimento industrial propiciou também a formação de massas de trabalhadores e, com elas, as primeiras associações e sindicatos com ideias socialistas, comunistas ou anarquistas. Segundo Maristela Mafei, no livro "Assessoria de imprensa: como se relacionar com a mídia", foi aí que surgiram os primeiros jornais independentes, escritos pelos próprios empregados. Como os grandes empresários não queriam a proliferação de ideias contrárias aos seus interesses, responderam criando os primeiros jornais internos que se têm notícia - os house organs, hoje comuns nas empresas que se preocupam em construir uma boa comunicação interna com seus funcionários.

Mas é claro que nem todos os empresários estavam dispostos a ceder às reivindicações da crescente massa de trabalhadores agora alfabetizados e trabalhando nas indústrias. Por isso, quando questionado e cobrado pela péssima qualidade dos serviços prestados por suas rodovias, Vanderbilt cunhou a frase acima, que entraria para a história ao ilustrar como as empresas lidavam com os interesses do público.

Foi então que alguns homens de imprensa viram que poderiam ganhar um bom dinheiro intermediando as relações entre grandes empresários e a imprensa. Um destes espertos homens foi Ivy Lee, ex-jornalista de economia de Nova York, que criou em 1906 o primeiro escritório de relações públicas a ostentar esse nome. Lee passou a oferecer aos jornais um serviço então inédito: informações empresariais que as próprias empresas autorizavam ser apuradas e divulgadas. Tudo com tratamento jornalístico - ou seja, com credibilidade e o devido interesse público. A informação passada aos meios de comunicação era gratuita e de uso facultativo pela imprensa. Com isso, Lee conseguiu melhorar a imagem antes bastante ruim de seus assessorados.

A partir de então o serviço de RP não parou de crescer e seria usado de forma ideológica nas duas grandes guerras mundiais, estimulando o patriotismo, arrecadando dinheiro para a campanha militar, além de ser usado como máquina de propaganda pelo nazi-fascismo na Europa e outras partes do mundo.

No Brasil, a atividade de assessor de imprensa foi muito criticada até pouco tempo atrás pelos jornalistas dentro das redações. Uma das razões está no período da ditadura militar, no qual a imprensa sob censura recebia uma avalanche de press releases oficiais, com adjetivos enaltecendo o regime e quase sempre sem notícias de interesse público. Uma fase classificada por pesquisadores como releasemania, ou seja, a falta de critério em estabelecer o que seria realmente notícia digna de ser publicada.

No entanto, hoje em dia as assessorias cresceram e se tornaram grandes agências de comunicação. Com o enxugamento das redações, a crise proporcionada pelo aumento do preço do papel e a entrada em cena da internet, além de outros fatores, a influência das assessorias na pauta de um grande jornal aumentou bastante. E a maioria deles realmente não pode mais prescindir deste serviço. O jornalista deixou de decidir sozinho o que é de interesse para a opinião pública e tudo ficou mais complexo.

Voltemos agora ao ano de 2009 e o comentário do nobre deputado Sérgio Moraes, até então um ilustre desconhecido pela opinião pública a que ele raivosamente diz se lixar. Mais de um 100 anos separam a declaração de Vanderbilt do comentário de Moraes, e as décadas que se passaram não foram suficientes para mudar as relações dos poderosos com a sociedade. Com as devidas, exceções, é claro, estas continuaram variando entre o desprezo e o escárnio.

Ao dizer com todas as letras que "estava se lixando para a opinião pública", o deputado pareceu confundir o sentido da expressão "opinião pública". O comentário posterior foi: "Estou me lixando para o que sai nos jornais. Vocês batem, mas a gente se reelege". Opinião pública, devemos explicar ao deputado, não é o que sai nos jornais; opinião pública é o conjunto de opiniões predominantes de uma sociedade. Estas opiniões podem estar em sintonia ou não com o que é publicado nos jornais - este meio de comunicação que ele parece tanto deplorar.

Winston Churchill dizia que não existe opinião pública, e sim opinião publicada. Ótima frase, mas não é bem assim. Há um nítido jogo de interesses em torno da questão. Muitas vezes a opinião da sociedade e dos meios de comunicação andam juntas, outras não. No primeiro caso podemos destacar a instauração do golpe militar em 1964, apoiado pela sociedade, temerosa do "terror comunista", e, também, pela grande imprensa, que não via com bons olhos as inclinações reformistas do governo João Goulart. Jornalistas independentes que ousaram firmar uma posição contrária ao golpe, como Carlos Heitor Cony, ou foram demitidos ou afastados de suas funções. Mas também a opinião pública pode ser contrária àquela dos meios de comunicação, e um exemplo recente é a sempre questionada (pela mídia) ideia de usar o exército para combater o tráfico nas favelas ou "proteger" os morros da violência - atitude apoiada até hoje por grande parte da população. Ou seja, neste caso, opinião pública e jornais estão em lados opostos.

É claro que, ao longo das décadas, movidos por interesses vários, os jornais buscaram estar ao lado da opinião pública, considerando-se como seus legítimos representantes na sociedade. Também é verdade que o assédio de grupos variados aos meios de comunicação só cresce, pois todos querem conquistar a visibilidade - essa palavra tão em moda hoje - só amplificada pelo poder da mídia. A opinião pública é algo difuso, não é facilmente reconhecível, o que a leva a ser por vezes vítima de grupos de interesse que buscam sempre manipulá-la conforme seus reais objetivos. Uma opinião pública bem articulada, no entanto, em sintonia com a mídia, é capaz de derrubar até mesmo presidentes da república. Por isso, há que se pensar duas vezes ao condenar a opinião pública, atitude que faltou ao deputado gaúcho.

No tempo de Vanderbilt a imprensa ainda se encontrava em processo de modernização, daí uma frase insolente como "o público que se dane" não ter tido grande repercussão à época nem causado grandes danos na imagem do empresário. Mas hoje a internet está servindo para dar mais força à opinião do público que o nobre deputado insistem em se lixar. É como escreveu a jornalista Ruth de Aquino em crônica da revista Época,"Quem tem medo da opinião pública?": "agora entrou no roteiro um novo personagem: o rolo compressor da opinião pública virtual e nacional. Nunca antes na história deste país os leitores comentaram tanto e com tanta agilidade. Nunca antes as críticas foram tão contumazes e abundantes. O povo na rua virtual tem empurrado os políticos a recuar de decisões e pensar rápido - às vezes, a se precipitar, como foi o caso do quase desconhecido Sérgio Moraes".

Moraes, constantemente reeleito por via de "currais eleitorais" no Sul, acreditou que podia vangloriar-se ao escarnecer da opinião pública. Seu afastamento do papel de relator do Conselho de Ética no caso do "deputado do Castelo" é um indício que a sociedade está mais alerta, mesmo que a cada dia o número de escândalos nos deixe mais e mais indignados.

Com certeza, há ainda muitos vanderbilts e moraes rondando por aí, que não estão ligando a mínima para a opinião pública. Mas pelo menos a maior participação e interação da sociedade nas críticas virtuais (ou não) demonstra que eles devem agora tomar mais cuidado com suas infelizes declarações falastronas.

Mais interação pode significar maior reação.

Um comentário:

Unknown disse...

Rogério é contra isto que temos que lutar!!