Este ano, não há mais UCT, a agência anti-terrorista do governo onde o herói e demais personagens trabalhavam. A trama agora também não se passa mais em Los Angeles, mas em Washington, logo após a posse da presidente Allison Taylor. Personagens antigos estão de volta, como Bill Buchhanan, Chloe O'Brian e, sim, Tony Almeida - que todos pensavam estar morto. Mas, para mim, passados os primeiros episódios, a grande surpresa desta sétima temporada até agora foi o surgimento de uma nova personagem - a agente do FBI Renee Walker, vivida pela atriz Annie Wersching.
Annie, uma bela ruiva de olhos azuis, tem 31 anos e este é seu papel de maior destaque até o momento. Antes de 24 horas, fez pequenas partipações em algumas séries para a TV, como Startreck: Enterprise, Supernatural, Frasier, General Hospital. Nada muito relevante. O interessante no papel é que Renne Walker, ao longo da trama, será obrigada a atuar ao lado de Jack para confrontar os vilões da série. Aos poucos, a agente vai ficando estranhamente atraída pelos métodos nada ortodoxos do protagonista em obter informações de criminosos.

Annie Wersching e Kiefer Shuterland, ou Renee e Jack
No primeiro episódio, Jack é levado a um tribunal da Corte Suprema dos Estados Unidos a fim de ser julgado pelos seus métodos de lidar com terroristas. Leia-se: torturas. Na verdade, os produtores estão fazendo uma alegoria a respeito dos anos Bush e sua prática do uso da força para arrancar depoimentos, bastante criticada em situações como a da prisão de Abu Graib, no Iraque, cujos desmandos dos militares chocaram o mundo. Na época, comentou-se que os soldados americanos eram fãs da série e "usavam os métodos Jack Bauer" para arrancar confissões. Isso motivou até uma ida de produtores do seriado ao Iraque para dar uma palestra aos soldados contra a tortura. Ironia perde...
No entanto, a série já foi foi acusada mais de uma vez de defender a tortura, situação que gerou controvérsias internamente. Enquanto um dos produtores executivos se apressou em dizer que a tortura "iria diminuir" daqui pra frente, o roteirista e também produtor Evan Katz defendeu o uso destas cenas, em se tratando do personagem Jack Bauer: "Se um personagem sabe onde uma bomba nuclear vai explodir, acho que ninguém diria que ele não deveria ser torturado". Li no blog do Marcus Meyer que no ano passado, durante um debate com pré-candidatos candidatos republicanos, esta mesma pergunta foi feita a John McCain - que respondeu com um convicto "não" -, e a Rudolph Giullini. Este último foi claro: "daria autorização para usarem qualquer método que eu pudesse pensar para extrair a informação". Ou seja, como na série, se a vida de milhares de pessoas estivesse em risco por um ataque nuclear e para evitá-lo fosse preciso "qualquer método" (tortura?) contra uma pessoa, ele não hesitaria.
A passagem de tempo mostrada nesta sétima temporada já fez até alguns comentaristas perguntarem: Jack Bauer seria democrata ou republicano? Creio que a questão não é essa. Os roteiristas, ao notarem a coincidência entre os métodos pouco usuais de Jack e as cenas de tortura cometidas pelo exército americano que provocaram repulsa, ousaram jogar com o tema na nova temporada, provocando o espectador. O próprio fato de a UCT ter sido desmantelada e a série começar com Jack depondo numa comissão que julga os pretensos excessos do protagonista, é um paralelo sutil: os dias de Bush no poder e de métodos para se obter informações por "todos os meios necessários" se encerraram; é hora de um novo governo - e o simples fato de ser uma mulher e não um negro na presidência também vai ao encontro da ideia de novos tempos -, mais tolerante e contra a tortura. Porém, a questão que a cada capítulo tem sido colocada para o espectador é similar àquela feita aos candidatos derrotados por Obama: e quando a vida de milhares depender da tortura de um bandido? É nesta fase que os dilemas da agente Walker vêm à tona.
Após livrar Jack do tribunal em que se encontra para ajudar nas investigações, Renee Walker leva Jack ao FBI, onde ele descobre que seu amigo Tony Almeida está vivo. Este é o ponto de partida da relação tensa entre Jack e Renee. Renee é contra a tortura para investigar suspeitos e trabalha para um chefe definitivamente contra o uso da violência. Mas sua atitude é por vezes ambígua.
Logo no primeiro capítulo, ao capturar um suspeito, quando Jack percebe que só conseguirá arrancar a informação que deseja por meio da força, olha para Renee e pede autorização. Ela se limita a dizer: "prossiga". Em outro episódio, Renee decide interrogar um criminoso dentro de um quarto de hospital. Diante da recusa do criminoso, ela não hesita em ameaçar desligar todas as máquinas que o deixavam vivo, chegando mesmo a cortar por instantes o soro que mantém o homem vivo. Corta para a cena em que ela sai do hospital sorrindo e com a informação conseguida.
Mais tarde, novamente com Jack no encalço de criminosos que estão fazendo o marido da presidente como refém, Renee é orientada por ele a ameaçar a mãe e o bebê de um homem que saberia o local do esconderijo dos assassinos. Ela o faz, embora receosa. A atitude dá resultado.
A perícia dos roteiristas na construção dos diálogos neste último episódio apenas reforço a crecscente empatia entre os dois agentes. Quando Jack pede emprestado o carro do chefe do FBI para ir atrás do homem com informações sobre o esconderijo, ouve dele: "Jack, respeitar as leis é o caminho mais certo". Ao que Jack responde, "Sim..., mas hoje não". mais tarde, Jack consegue encontrar o criminoso, o qual, assustado com a presença de Renee em sua casa, ameaçando a mulher e o filho, acaba liberando a informação sobre o esconderijo. Ao final, tenta matar Jack, mas Bauer se defende e o mata. Bauer então liga para Renee e avisa que já conseguiu a informação, mas o homem está morto. Renee se aflige por um tempo e Jack percebe: "Sei que está sendo um dia bem angustiante pra você. Se quiser estar fora da missão eu entenderei". Renee: "Sim...amanhã", e desliga o telefone.
Enfim, há um tensão latente nesta sétima temporada entre um personagem atormentado que não hesita em recorrer à tortura para conseguir seus fins, e uma agente obrigada a lidar com este homem, e que observa seus métodos entre a repulsa e o fascínio.
Uma tensão, entre homem e mulher, que só tende a crescer no resto da temporada. Enquanto isso, ao final de cada episódio, não dá pra deixar de pensar: em alguns casos, quando a situação chega a um limite, a tortura é realmente necessária?
E até quando Renee estará presa a esta estranha ética flexível da tortura?
Um comentário:
24 Horas, House e Damages são séries que na minha opinião conseguem trabalhar bem a questão do limite ético dos seus personagens principais (e secundários), nos obrigando a uma auto-reflexão.
Tenho que admitir que até hoje, em todas as temporadas de 24 Horas, seguiria as mesmas escolhas tomadas por Jack Bauer. Sem dúvida é difícil segui-las, mas DENTRO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DOS ATOS elas tornam-se LEGÍTIMAS.
Sou principiologicamente contra a tortura, mas seria cinismo da minha parte afirmar que não faria o que achasse necessário para salvar vidas em perigo.
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