Caiu o canudo! Com o fim da exigência do diploma para jornalistas, na última quarta-feira, 17 de junho, surgiram controvérsias no país inteiro - contra ou a favor - e também, é claro, aqui no terreno da internet. Sendo este um blog sobre comunicação e cultura, não posso deixar de dar meus pitacos.
Fiquei bastante curioso com o comentário que o presidente do STF fez ao comparar os jornalistas a chefes de cozinha, argumentando que cozinheiros, assim como jornalistas, "não carecem de conhecimentos específicos para o bom exercício da atividade". Para Gilmar, o jonalismo é uma "profissão diferenciada" e que deve ser tratada à parte. Pois bem: como eu vivi até hoje sem pensar nessas colocações tão geniais? Ironias à parte, a afirmação é desrespeitosa tanto com os cozinheiros quanto com os jornalistas - que adoram os prazeres da boa mesa, embora a maioria dos que conheço prefiram mesmo a baixa gastronomia dos botecos...tão bem representada aqui no Rio pelo festival "Comida de Buteco", que importamos de BH.
Há hoje na Europa, Estados Unidos e mesmo no Brasil excelentes cursos universitários de gastronomia, que formam grandes chefs. Há também programas de TV nos quais chefes de cozinha rabugentos e irascíveis fazem um tremendo sucesso. Viraram celebridades. Aliás, Gilmar esqueceu-se de dizer que alguns editores mais estressados não deixam nada a temer a um tipo como Gordon Ransey, o mal-humoradíssimo chef e hoje pop-star britânico. Um bom cozinheiro é cada vez mais disputado não só em restaurantes, e também, como disse, pela mídia. Mas compará-los com jornalistas é um desatino. Nenhum destes nobres profissionais lidam com a informação relevante e pública, com a verdade, a honra individual, com a notícia que pode desmoralizar políticos corruptos ou transformar medíocres em celebridades - sim, a imprensa também tem seu lado espúreo.
Não sou tão radical a favor do diploma em jornalismo. Apenas acho que a necessidade de uma formação superior humanista - não precisa ser específica de jornalismo - é imprescindível para se trabalhar na área. Muitos retiram o crédito do ensino universitário, com a velha ladainha de que só se aprende de fato a fazer jornalismo dentro de uma redação; outros chegam a desacreditar o ensino da teoria da comunicação em cursos universitários: "Não servem pra nada, o que vale é a prática!"
Erram feio, pois a boa prática deve andar junto com a teoria. Uma teoria bem estudada vai proporcionar ao ex-aluno, quando no jornal, refletir melhor sobre os coflitos éticos que com certeza aparecerão, pois lidamos com o tema desde sempre. Um argumento recorrente também é o de que o mercado deve privilegiar o talento, e não a formação universitária. Ora, essa é uma posição arrogante, pois pressupõe que talento e universidade não se misturam (!). O sujeito pode ser bem talentoso, mas se chegar numa redação moderna sem saber como construir um lide (o primeiro parágrafo de uma matéria), elaborar uma reportagem ou entrevista, ou mesmo alguém muito bom em redação, mas que nunca recebeu noções de técnicas jornalísticas - tudo isso aprendido nas boas faculdades de jornalismo -, vai dançar.
Até mesmo jornalistas veteranos que viraram acadêmicos, como Muniz Sodré, vaticinam que melhorou muito o nível cultural dos repórteres depois da exigência do diploma. Mas sempre teremos advogados espertos tentando ligar a obrigatoriedade do diploma (que começou a vigorar em 1969, junto da Lei de Imprensa) a uma imposição ditatorial do regime militar. Ou mesmo a alegação de alguns ministros do Supremo, que votaram contra o diploma "em defesa da liberdade de expressão". E desde quando o diploma inviabiliza a livre expressão??? Uma coisa não tem nada a ver com outra.
Ou tem? Bem, até essa semana eu também achava que a profissão de jornalista não tinha nada a ver com a dos cozinheiros. Por via das dúvidas, no momento estou pensando seriamente em criar um cartão de apresentação com estes dizeres: "jornalista, professor e chefe de cozinha".
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